Cardio: Valvulopatias
Esta pergunta faz parte de uma prova oficial da ACSS - PNA 2020.
O caso reporta-se a um doente portador de prótese mecânica e, por isso, com risco tromboembólico importante (além da fibrilhação auricular que o doente apresenta que também condiciona risco tromboembólico) que deve ser abordado com introdução de hipocoagulação. Sabe-se que o INR é a medida-padrão para monitorização da hipocoagulação com antagonistas da vitamina K e este deve ser mantido dentro de uma faixa terapêutica adequada [para os doentes com fibrilhação auricular entre 2-3; para os doentes com válvulas mecânicas entre 2,5-3,5 de uma forma genérica. No entanto, em doentes com certos tipos de prótese mecânicas e fatores de risco para trombose (por exemplo: FA) poderá ter de ser ajustado o alvo de INR para 3,5, ou, no caso de próteses mais trombogénicas (e antigas), para 4 - de acordo com 2021 ESC/EACTS Guidelines for the management of valvular heart disease]
O encerramento do apêndice auricular é um procedimento a considerar nos doentes com indicação para hipocoagulação mas que também apresentam contraindicações para estes fármacos. Neste doente, não havendo contra-indicações para a hipocoagulação, esta medida não é adequada de momento.
O caso clínico apresenta um homem de 32 anos, sem antecedentes patológicos relevantes, que se apresenta na consulta com episódios ocasionais de palpitações irregulares. Objetivamente, apresenta uma área de impulso cardíaco deslocada lateralmente, um S3 cardíaco e um sopro cardíaco compatível com regurgitação mitral (sopro sistólico mais audível no ápex cardíaco que irradia para a região axilar esquerda). Assim, é provável que estamos perante um caso de regurgitação mitral crónica.
A regurgitação mitral crónica, em doentes jovens, residentes em países desenvolvidos e sem história de viagens, deve equacionar a degeneração mixomatosa da válvula mitral que condiciona o seu prolapso, como a causa mais provável (Opção B). A degeneração mixomatosa envolve a deposição de mucopolissacarídeos e rutura de colagénio da válvula mitral, resultando no seu espessamento e redundância dos seus folhetos. Pode ocorre de forma isolada ou em associação a doenças do tecido conjuntivo, como é o caso da síndrome de Marfan ou da doença de Ehlers-Danlos. A auscultação do prolapso da válvula mitral é muito sugestiva pois caracteriza-se pela presença de um click mesossistólico seguido de um sopro sistólico de regurgitação mitral. Perante uma disfunção valvular grave, o click pode ser inaudível em virtude da presença de um sopro holossistólico. Fruto da sobrecarga volémica decorrente da regurgitação mitral, os doentes podem apresentar um S3 cardíaco, hipertrofia excêntrica do ventrículo esquerdo e uma área de impulso cardíaca deslocada lateralmente. A sobrecarga de volume provoca dilatação do ventrículo e aumento da cavidade. Para acomodar mais volume sem aumentar excessivamente a pressão, o VE desenvolve hipertrofia excêntrica: as paredes alongam-se e dilatam. Isto contrasta com a hipertrofia concêntrica, que ocorre na sobrecarga de pressão (como por exemplo na estenose aórtica), onde as paredes aumentam em espessura, mas a cavidade mantém-se pequena ou normal. A presença de palpitações irregulares pode ser justificada pela presença de paroxismo de fibrilação auricular em consequência da dilatação auricular induzida pelo aumento da pressão intra-auricular, fruto do refluxo sanguíneo pela válvula mitral.
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A doente apresenta achados sugestivos de prolapso da válvula mitral (Opção C). O prolapso da válvula mitral é uma patologia frequentemente assintomática, mas que se pode apresentar com sintomas inespecíficos, nomeadamente dor torácica, dispneia, palpitações, entre outros. O achado mais comum é o clique mesossistólico, que pode estar ou não associado a um sopro sistólico tardio que aumenta com a manobra de valsalva.
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ESTENOSE AORTICA
É apresentado o caso de um doente com um sopro mesossistólico, mais audível no foco aórtico, que se vem a confirmar ser causado por estenose aórtica pelo ecocardiograma transtorácico. Apesar de classicamente se associar a irradiação carotídea, não é um achado obrigatório, pelo que não se deve descartar a hipótese de estenose aórtica na ausência de irradiação.
A estenose aórtica corresponde a um estreitamento do orifício aórtico. A etiologia mais frequente é a degeneração e calcificação valvular aórtica, afetando predominantemente doentes idosos do sexo masculino. A obstrução ao trato de saída do ventrículo esquerdo causa sobrecarga ventricular esquerda e aumento da pressão intracavitária o que, a médio-longo prazo, se traduz em hipertrofia ventricular compensatória e eventualmente insuficiência cardíaca de etiologia valvular.
A estenose aórtica mantém-se assintomática por um longo período de tempo, motivo pelo qual a maioria dos doentes sintomáticos se apresenta com estenose aórtica grave. Os sintomas típicos incluem síncope, angina de peito e dispneia para esforços. Na suspeita de estenose aórtica, deve ser feito um ecocardiograma transtorácico para confirmar o diagnóstico e para avaliar a gravidade da estenose e a repercussão na função cardíaca. Mediante esta informação, pode estar indicada, ou não, a intervenção valvular.
A substituição valvular aórtica no contexto de estenose aórtica está indicada nas seguintes situações:
estenose aórtica grave sintomática;
estenose aórtica grave assintomática se associada a:
disfunção ventricular esquerda (FEVE < 50%);
indicação para cirurgia cardíaca por outro motivo (por exemplo, CABG);
bicuspidia aórtica com aneurisma da raiz da aorta ou aorta ascendente ≥5,5cm;
sintomas na prova de esforço.
estenose aórtica moderada sintomática se associada a:
disfunção ventricular esquerda (FEVE < 50%);
indicação para cirurgia cardíaca por outro motivo (por exemplo, CABG);
sintomas comprovadamente causados pela estenose aórtica.
A substituição valvular pode ser feita por via cirúrgica (preferencial) ou por via percutânea (TAVI), sendo esta última preferida em doentes com elevado risco cirúrgico.
Assim, estando o doente assintomático e tendo o diagnóstico de estenose aórtica moderada, com preservação da função ventricular esquerda (FEVE 65%) e prova de esforço sem alterações, não tem indicação para substituição valvular de momento. Deve manter-se em vigilância clínica e ecográfica para garantir o seguimento e abordagem adequados da estenose aórtica que apresenta.
A TAVI (transcatheter aortic valve implantation) é um dos procedimentos usados na substituição valvular aórtica. É o método de eleição em doente com elevado risco cirúrgico. No entanto, a substituição valvular só estaria indicada caso o doente fosse sintomático ou tivesse estenose aórtica grave associada a disfunção ventricular esquerda ou sintomas na prova de esforço.
A substituição cirúrgica da válvula aórtica estaria indicada caso o doente fosse sintomático ou tivesse estenose aórtica grave associada a disfunção ventricular esquerda ou sintomas na prova de esforço. Tratando-se de um doente com estenose aórtica moderada assintomática, não tem indicação para substituição valvular.
(Opção E) A coronariografia deve ser realizada em doente com suspeita elevada de doença coronária, em doentes recentemente diagnosticados com insuficiência cardíaca com fração de ejeção reduzida sem etiologia conhecida e em doentes com indicação para realizar cirurgia de substituição valvular para exclusão de doença coronária concomitante. Como o doente nega toracalgia, clínica de insuficiência cardíaca, e não tem indicação para cirurgia, não deve ser submetido a coronariografia de momento.
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